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Friday, September 9, 2022

Promessa de Lula para subir salário mínimo não cabe no atual teto de gastos - UOL Economia

O plano de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência, promete reverter mudanças instituídas em governos anteriores e retomar políticas de gestões petistas consideradas bem-sucedidas, como o reajuste acima da inflação para o salário mínimo e o Bolsa Família. Para especialistas ouvidos pelo UOL, as medidas são viáveis e podem ser colocadas em prática, mas algumas "não cabem" dentro da atual regra do teto de gastos e ainda enfrentariam resistência política e de empresários.

A reportagem conversou com Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Juliana Damasceno, economista-sênior da Tendências Consultoria; e Pedro Menezes, economista e fundador do Instituto Mercado Popular.

Veja o que disseram os especialistas sobre as principais propostas de Lula para a economia:

Salário mínimo

O que diz o plano:

"Retomaremos a política de valorização do salário mínimo visando à recuperação do poder de compra de trabalhadores, trabalhadoras, e dos beneficiários e beneficiárias de políticas previdenciárias e assistenciais."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos, da Unicamp: "Todos os reajustes que foram dados [no governo Bolsonaro] não recuperaram a perda inflacionária. Mas tem muita batalha política aí. Deve haver também uma resistência das empresas e dos empregadores, porque o salário significa um custo para as empresas. Mas do ponto de vista da economia agregada, quanto maior a massa salarial, maior é a demanda de consumo das famílias. E isso vai gerar mais receita para as empresas."

Juliana Damasceno, da Tendências: "Tem despesas, principalmente despesas sociais, que são indexadas [atreladas] ao salário mínimo. Toda vez que a gente tem um ajuste, a gente tem um impacto. Para fazer caber essa valorização do salário mínimo, a gente teria que necessariamente discutir uma nova regra para o teto de gastos. É incompatível você ter um teto fiscal que cresce pela inflação e despesas dentro dele que crescem acima da inflação."

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "Aumentar o salário mínimo é uma escolha política legítima. [Mas] A política de Dilma [Rousseff] era muito agressiva e levou a um salário mínimo que sistematicamente crescia mais que o PIB [Produto Interno Bruto]. Como uma grande parcela do Orçamento está vinculada ao salário mínimo, isso leva a despesas que também crescem mais que o PIB. O PT pode propor aumentos no salário mínimo, mas precisa explicar como fazer isso sem levar a um desequilíbrio das contas públicas."

Direitos trabalhistas

O que diz o plano:

"O novo governo irá propor, a partir de um amplo debate e negociação, uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho, (...) revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos: "Há enorme desafio político para essa revogação. A reforma nos últimos governos não entregou o que prometeu. Seria bem-vinda uma revisão dessas regras para dar mais proteção, sobretudo aos informais, e também não deixar que os salários atinjam níveis tão baixos."

Juliana Damasceno, da Tendências: "Qualquer alteração na legislação vira fator de insegurança jurídica. Qual seria a nova legislação? Como impacta empresários? Existem ajustes? Ok, se existem ajustes, vamos fazê-los. Mas como vamos fazer isso sem retrocesso?"

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "O PT adota uma postura anticiência neste caso. A teoria era a seguinte: conforme a nova legislação fosse absorvida pelos agentes e pela Justiça trabalhista, o impacto começaria a aparecer. Passados cinco anos, já temos alguns estudos que mostraram isso. A reforma trabalhista reduziu o desemprego. A tese do PT [de que o desemprego aumentaria] não foi endossada nem pelos estudos do Made-USP, centro de pesquisas coordenado por uma das economistas mais críticas à reforma."

Bolsa Família

O que diz o plano:

"Um programa Bolsa Família renovado e ampliado precisa ser implantado com urgência para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos, da Unicamp: "É muito importante que um programa com as características do Bolsa Família seja retomado imediatamente. Também é importante ter reajuste, porque a inflação faz a pessoa perder poder de compra. Só tem um jeito: não ficar obcecado com equilíbrio das contas públicas a qualquer custo."

Juliana Damasceno, da Tendências: "Com o teto de gastos vigente, é impossível. Manter esses R$ 200 extras custaria R$ 52 bilhões. É pouco mais da metade do Orçamento para custear toda a máquina pública [R$ 99 bilhões]. Não dá. O que está sendo defendido pelo Lula, e eu concordo, é que temos que mudar o desenho atual do programa. O Bolsa Família era muito mais focado [em quem precisa mais] que o Auxílio Brasil. Houve um retrocesso."

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "Essa é uma política social com impacto bem maior do que a valorização do salário mínimo. Os efeitos colaterais são positivos, porque permitem que o programa seja continuamente reavaliado. Além disso, tende a aumentar a frequência escolar e gerar outros impactos positivos. O programa foi muito criticado por essa questão da transição, mas a literatura indica que muitos beneficiários saem da pobreza a longo prazo."

Teto de gastos

O que diz o plano:

"Vamos recolocar os pobres e os trabalhadores no Orçamento. Para isso, é preciso revogar o teto de gastos e rever o atual regime fiscal brasileiro, atualmente disfuncional e sem credibilidade."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos, da Unicamp: "Os gastos em investimentos públicos —social, educação, saúde, tecnologia, ciência e tecnologia— não deveriam ficar submetidos a limites de arrecadação corrente. Esses gastos são transformadores, estratégicos."

Juliana Damasceno, da Tendências: "Minha grande preocupação é: como fazer isso [revogar o teto] sem abandonar a responsabilidade fiscal? Não bastam regras, temos que cumpri-las. A verdade é que o teto não funcionou. A gente adotou essa regra lá em 2016 e, desde então, nunca sentou para rever o que gasta. Como não tem espaço [dentro do teto] para Auxílio Brasil e tem espaço para emendas de relator?"

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "Se o PT propuser uma regra irresponsável para substituir o teto, os custos serão imediatos, com elevação dos juros, do dólar e da inflação. O problema é que, se anunciarem uma regra dura durante a eleição, ela pode ser usada para criticar o partido. Provavelmente será a primeira tarefa de um eventual novo ministro, já que o risco fiscal tem crescido."

Endividados

O que diz o plano:

"Vamos promover a renegociação das dívidas das famílias e das pequenas e médias empresas por meio dos bancos públicos e incentivos aos bancos privados para oferecer condições adequadas de negociação com os devedores."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos, da Unicamp: "O estoque de dívidas que as famílias e as empresas acumularam foi piorado com a alta de juros e a recessão. O governo tem mecanismos para isso [renegociar as dívidas]. Renegociar não é perdoar a dívida, e sim a possibilidade de alongar o endividamento, com taxas de juros mais baixas. É melhor para o sistema como um todo que ele [governo] receba algum pagamento do que nenhum"

Juliana Damasceno, da Tendências: "É importante a gente pensar nisso, principalmente por causa do quadro social que temos. As pessoas estão se endividando para consumir o básico. Dada essa perspectiva, além da perspectiva de uma inflação maior no mundo todo? É um quadro em que a geração de renda em si é muito fraca, o que leva a esse nível de endividamento muito alto. Essa dívida é potencializada pela questão inflacionária. A gente precisa, sim, de uma atuação do governo."

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "Além da questão fiscal, existe também uma dificuldade microeconômica que os economistas chamam de 'risco moral'. Ao perdoar uma divida, o governo emite um sinal para que os agentes se endividem mais e peçam novos perdões de dívida no futuro. Também é preciso limitar as novas políticas que exigem aumento de gastos, pois não há espaço para tudo. Vale a pena deixar de aumentar os gastos com Bolsa Família para perdoar dívidas?"

Privatizações

O que diz o plano:

"Opomo-nos fortemente à privatização, em curso, da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA). (...) Opomo-nos à privatização da Eletrobras (...). Opomo-nos à privatização dos Correios."

Opinião dos especialistas:

Simone Deos, da Unicamp: "É um debate que vai muito além dessa premissa de que tudo que é privado é melhor e mais eficiente. É questionável, e a realidade mostra isso. O segundo ponto é: há essa ideia de que vamos conseguir um preço excelente na venda e encher os cofres públicos. Mas não é a questão principal. A questão é se o Estado precisa de uma empresa naquele setor porque quer ter uma atuação estratégica."

Juliana Damasceno, da Tendências: "Temos diversas estatais que não dão lucro. Quando vale a pena subsidiar essas empresas? Quando elas dão algum retorno. É o caso da Petrobras. Depende de cada caso. A gente precisa saber como fazer uma privatização, e o Brasil não sabe ainda. Senão a gente pode ter uma piora na prestação daquele serviço [após privatizá-lo]"

Pedro Menezes, do Mercado Popular: "No caso da Eletrobras, é uma promessa difícil de viabilizar. As ações já foram vendidas. O governo vai gastar para recomprar essas ações? É possível, mas é difícil, e é uma má ideia. Lula usou essa promessa para a base ideológica do PT e PSOL, mas provavelmente vai decepcionar esse público. É mais fácil reverter o processo de privatização dos Correios"

O que diz a campanha de Lula

O UOL procurou a campanha de Lula para comentar as opiniões dos especialistas e aguarda retorno. Assim que tiver um posicionamento oficial, será acrescentado à reportagem.

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