Entra ano e sai ano a discussão é sempre a mesma: o setor de planos de saúde reclama que o reajuste máximo aos planos individuais não condiz com os custos assistenciais, e os órgãos de defesa do consumidor defendem que os planos coletivos deveriam ter a mesma política de reajuste.
"Essa é uma discussão que ainda vai começar. Existe uma provocação por parte do setor para a agência. Temos a obrigação de conversar, tratar e discutir todo assunto que venha a ser apresentado. Nós não estamos discutindo ainda [sobre o reajuste], não estabelecemos quais serão as prioridades, mas acho que esse é um tema que precisamos enfrentar", afirma Paulo Rebello, diretor-presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em entrevista exclusiva ao UOL.
Leia os principais trechos da entrevista de Rebello:
UOL - A ANS já tem alguma definição sobre o reajuste dos planos individuais para este ano?
Paulo Rebello - Ainda não concluímos o estudo sobre o reajuste deste ano. Estamos aguardando a consolidação das informações e, assim que tivermos uma prévia interna, enviamos para o Ministério da Economia.
O setor estima aumento recorde, de até 16,3%. Em meio à disparada da inflação e da perda de poder de compra da população, o reajuste não pode inviabilizar o pagamento de planos por muitas famílias?
A fórmula do reajuste leva em consideração a variação das despesas assistenciais do ano anterior, como a questão da mudança da faixa etária e a inflação, tirando tudo aquilo que não for relacionado à área de saúde.
Esses outros fatores que você mencionou são considerados nesse cálculo. Em 2020, ano do começo da pandemia, as pessoas criticavam a agência por dar um reajuste positivo, mas o valor era um reflexo de 2019.
No ano seguinte, o reflexo foi de 2020. Em razão da sinistralidade mais baixa, houve uma redução no reajuste pela primeira vez (-8,19%).
Este ano vai ser reflexo da variação das despesas assistenciais do ano anterior.
A possibilidade de mudar o reajuste dos planos individuais é um assunto que está sendo discutido na ANS? Existe algum prazo para isso que aconteça?
Estamos esperando a nomeação de outros dois diretores para que possamos começar a discutir qual a agenda regulatória do próximo triênio.
Esse tema ainda vai ser debatido. Havia uma provocação por parte do setor, e temos a obrigação de discutir todo assunto apresentado.
Nós ainda não estamos discutindo, nós não estabelecemos quais serão as prioridades, mas esse é o tema que de fato precisamos enfrentar.
Toda discussão relacionada ao individual precisa incluir uma análise em relação ao coletivo. Não vou na linha de estabelecer qual o percentual de reajuste do coletivo, mas precisamos de uma discussão conjunta.
A lógica é aumentar a concorrência, que o beneficiário fique mais ciente de seus direitos e mais empoderado para tomar a decisão mais correta para si.
O assunto está no radar, mas não tem nada definido? Não dá para falar em data?
Não. O problema é o percentual do reajuste em si? O fato de não poder fazer uma revisão técnica? Tem também a questão da rescisão unilateral, que é um tema que não tenho vontade nenhuma de discutir. Isso é um direito do beneficiário.
Qualquer outro tema relacionado ao reajuste é importante e precisa ser conversado. Não estou dizendo que vamos avançar sobre o tema, mas precisamos discutir. Seja o tema delicado ou não, precisamos abrir oportunidade para diálogo e encontrar soluções, se é que existe um problema a ser enfrentado.
Existe alguma discussão para colocar um reajuste máximo nos coletivos? O que faz com que o reajuste dos individuais seja diferente dos coletivos?
Para os planos com até 30 vidas, a operadora pega todos os contratos com as mesmas características para diluir o risco [e aplica o mesmo reajuste].
Têm os planos com mais de 30 vidas, em que o contratante e a operadora têm liberdade para chegar a um acordo. Entendemos que existe a possibilidade de o contratante negociar de igual para igual com a operadora, o que não acontece com o individual.
Com relação ao que pode ter causado essa diferença, há um estudo nosso que mostra que os coletivos e os individuais andam em linha. Há uma distinção de dois ou três pontos a mais no geral.
Claro que há situações em que uma operadora, por causa de uma sinistralidade maior, acaba dando um reajuste maior.
Hoje os planos individuais são minoria no mercado. O senhor acredita que a população é prejudicada por essa falta de oferta?
De fato, esse é um problema. Mas será que o reajuste é o problema a ser enfrentado? Será que desestimula as operadoras a comercializarem os planos individuais? Precisamos fazer uma análise de impacto regulatório para ver qual o problema e ouvir o setor como um todo.
Ao mesmo tempo em que olhamos que há uma dificuldade de comercializar um plano individual, temos novos entrantes no mercado, como essas health techs (startups do setor de saúde) que só vendem plano individual.
Vai ser uma oportunidade de incluir na agenda regulatória com participação ampla dos beneficiários, das operadoras e dos prestadores. Precisamos entender qual seria o ajuste necessário para que possamos dar esse incentivo ou não para a venda do individual.
Se o pleito das empresas fosse atendido (elas dizem que o reajuste não reflete os custos assistenciais), isso poderia deixar os planos mais caros?
É cedo para falar. Precisamos ter esses dados para avançar. Enfrentamos um jogo de informação e desinformação, com muita especulação.
No começo da pandemia, pintavam um cenário de dificuldade extrema para todo setor. Em um primeiro momento, as pessoas deixaram de sair de casa, diminuindo a quantidade de atendimentos prestados.
Mencionaram que haveria uma inadimplência alta, mas vimos um crescimento exponencial, com quase 2 milhões de beneficiários no setor.
Ainda existe alguma chance de a Amil conseguir a transferência [dos planos] para a APS?
Não há como existir qualquer tipo de sigilo ou omissão de informação para o regulador. Se não temos as informações, não dá para fiscalizar. A Amil começou a avançar em um processo sem compartilhar as informações com a ANS. Por isso impedimos a operação.
As empresas apresentaram algumas informações que havíamos solicitado. Decidimos mais uma vez suspender a transferência de carteira da Amil para a APS, porque a primeira informação que havia sido apresentada, de que ficaria dentro do grupo econômico, não se confirmou.
Observamos problemas relacionados à capacidade econômico-financeira das operadoras, dos investidores em tocar a operação e à estrutura de rede para suportar a operação.
Decidimos que iríamos suspender a transferência e demos um prazo para que as operadoras apresentem suas razões. Estamos aguardando para decidir.
A autorização da transferência foi precipitada?
Não foi, porque olhamos o cenário apresentado pelas operadoras. Quando a empresa disse que faria a transferência e que as carteiras ficariam dentro do mesmo grupo econômico, não existe irregularidade.
Autorizamos seguindo os passos para que os beneficiários fossem informados. Nesse caso, não vi nenhum problema, mas depois sim. Houve essa omissão das informações, e a ANS teve que interferir.
Existem pessoas que entram na Justiça contra planos de saúde. Como diminuir essa judicialização?
Quando olhamos para estudos que dizem que o número aumentou, precisamos nos debruçar mais. Queremos ter mais informação para mudar a conduta das operadoras.
Existem casos em que a operadora deixou de atender o beneficiário, e esse tipo de situação precisa ser coibida. É louvável procurar a Justiça quando seu direito está sendo negado.
Há casos de processos por aquilo que não está coberto no rol [lista de procedimentos cobertos pelo plano], como um remédio em estudo. São situações em que precisamos fazer uma distinção. Será que essa judicialização é devida ou é sobre algo que não está no arcabouço regulatório?
A judicialização é o último recurso. O ideal é que a gente trate de forma administrativa, porque precisamos de uma resposta mais rápida, e às vezes os processos demoram na Justiça.
A assistência particular ainda é para uma minoria no Brasil. Como aumentar o acesso?
Nós já tivemos quase 50 milhões de beneficiários [frente a 49 milhões em 2022]. O número caiu nos últimos anos e voltou a crescer em junho de 2020.
Saúde suplementar está ligada a condições econômicas. O ideal é que todos tenham acesso ao SUS, mas sabemos que há questões orçamentárias que impossibilitem isso. É uma discussão que está na nossa agenda regulatória.
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