Sobreviventes: empresários contam como resistiram à epidemia de falências - Estado de Minas
No Bairro Gutierrez, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, as vitrines vazias, as portas fechadas e as placas de “aluga-se” não deixam dúvidas: ali jazem dezenas de pequenos negócios, vítimas da crise do novo coronavírus. “Aqui do meu lado tinha uma farmácia. Mais à frente, funcionava uma boutique...”, aponta Rui Mansur, de 63 anos, dono da Opus Livraria e Papelaria. Instalada há 36 anos na Rua André Cavalcanti, a loja é uma das que sobreviveram à epidemia de falências que assombra o comércio de BH há quase 20 meses.
Milhares de comerciantes não tiveram a mesma sorte. O último levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou 9,55 mil lojas fechadas em Minas ao longo de 2020, o segundo pior desempenho do país, atrás apenas de São Paulo. Em todo o Brasil, 75 mil CNPJs não resistiram às restrições da pandemia e foram baixados.
Quem ainda está de pé não se atreve a dizer que está salvo – e nem poderia, diante do cenário econômico que inclui inflação, dólar alto, gasolina a R$ 7, além da pior crise hídrica da história. Mas arrisca receitas de sobrevivência, cujos ingredientes são variados: do velho crediário às listas de distribuição do WhatsApp, passando pelos conhecidos saldões, a mais moderna Black Friday e aposta nas vendas de fim de ano.
Virada
Rui Mansur, da Opus Livraria e Papelaria, descreve a travessia da tormenta que chegou com a crise como “o maior tombo de sua vida”. O empresário diz que chegou a ser protestado por fornecedores já que, com o fechamento total da cidade, no início de 2020, ficou sem recursos para honrar compromissos.
Com o nome sujo, perdeu crédito na praça, o que impediu, em um primeiro momento, o uso de benefícios como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). A linha de capital de giro foi criada pelo governo federal para ajudar na recuperação das microempresas.
“O primeiro ‘pulo’ que eu tive que dar foi esse: negociar com fornecedores. Claro que nem todo mundo me compreendeu. Mas muita gente foi flexível comigo. Até mesmo o dono do imóvel onde a loja funciona. Propus a ele pagar a metade do aluguel durante período crítico da pandemia e ir aumentando aos poucos depois, na retomada. Ele aceitou”, conta o comerciante.
Para manter a entrada de dinheiro, Rui mudou o foco das vendas. Com o fechamento das escolas, de fevereiro de 2020 a junho de 2021, o comércio de livros didáticos e uniformes – até então, carro-chefe da loja –, baixou praticamente a zero. A suspensão das aulas interrompeu ainda o funcionamento da única filial da Opus, situada dentro do Colégio Loyola, no Bairro Cidade Jardim, Zona Sul de BH.
A solução encontrada pelo empreendedor foi promover a venda de jogos, brinquedos pedagógicos e serviços de gráfica. Para isso, usou principalmente o WhatsApp. “Essas demandas foram aumentando à medida que as famílias passaram a ficar em casa. Assim que percebi esse movimento, não tive dúvidas: criei uma lista de distribuição enorme, com os milhares de contatos que eu tinha de clientes, e comecei a fotografar a mercadoria para oferecer. Deu muito certo. Passei a entregar em média 50 pedidos por dia”, relata Mansur.
“Também fiz muita propaganda dos serviços de gráfica, pois, na pandemia, muita gente passou a trabalhar de forma autônoma, produzindo peças gráficas. No fim, a diversidade dos meus produtos me salvou. Se eu vendesse uma coisa só, a esta altura, já teria quebrado”, reflete.
Com o nome limpo, as contas já equacionadas e apenas um funcionário dispensado, Rui retomou os projetos para o futuro. Ele avalia que as mudanças que ocorreram em seu negócio são permanentes e caminham para levá-lo a uma espécie de virada, semelhante àquela que o livreiro experimentou nos anos 1990.
“Naquela época, minha principal fonte de receita eram os jornais e revistas. Deixei de priorizar isso para estruturar a papelaria e livraria, com opções de presentes, que tenho hoje. Em um futuro breve, acho que vou deixar de ser livreiro. Minha intenção, daqui para frente, é investir na gráfica. Meu serviço ficou conhecido e eu, hoje, deixo de atender clientes porque não tenho os equipamentos necessários. Sinto que a gráfica é o futuro do negócio e, naturalmente, vou migrar para esse segmento”, planeja.
Carnê: o milagre do remédio caseiro
Fundada há 51 anos no Bairro Padre Eustáquio, Região Noroeste de BH, a Umuarama Calçados permanece de pé graças a estratégias mais conservadoras. O proprietário Hélcio Marra – da terceira geração a comandar o negócio – diz que apostou na longeva relação com a clientela, mediada pelo bom e velho crediário.
“Muita gente me perguntou se eu não ia cortar o carnezinho de pagamento na pandemia. Mas eu mantive, e não me arrependo. Ele ajudou a manter o elo com os clientes, que tiveram crédito para comprar em um momento em que o mercado estava bem mais rígido”, afirma o comerciante, atento à realidade de que a modalidade de financiamento ainda é significativamente popular entre os brasileiros.
De fato, pesquisa divulgada em 25 de outubro pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostrou que carnê é a segunda forma preferida de parcelar compras no país, perdendo apenas para o cartão de crédito. A lista segue com o cartão de loja e cheque pré-datado.
O “carnê” confere à sapataria uma segunda vantagem: para pagar as prestações, o freguês precisa procurar a loja, o que dá aos vendedores a oportunidade de fazer novas vendas. “Enquanto o comércio esteve fechado, a gente fazia essa abordagem via WhatsApp. Mas, agora que a cidade está aberta, as pessoas precisam vir aqui quitar suas parcelas e a gente, é claro, faz de tudo para que elas não saiam de mão abanando”, entrega Marra.
Outras estratégias usadas pela Umuarama para permanecer com as portas abertas foram mais amargas. Para enxugar os custos, a empresa fechou sua única filial e reduziu o quadro de funcionários a menos da metade. Dos 18 que trabalhavam no local, restam oito. Marra, por fim, vendeu o prédio onde a matriz funciona para sanear as finanças.
“Quando o comércio fechou de vez, acabei contraindo empréstimos para conseguir saldar os compromissos. As vendas estavam fracas e esses débitos acabaram ficando muito pesados. Para resolver a situação, vendi o prédio da loja, que era nosso. Agora, o comprador nos aluga o espaço”, diz o proprietário, que encara o futuro com otimismo. “As vendas estão praticamente normais agora. E esse Natal vai ser muito bom. Acredito que o pior já passou”.
Uma gordurinha para tempos de vacas magras
A retomada das atividades em Belo Horizonte não chega a entusiasmar Ronaldo Ribeiro, dono da Enxovais Monte Azul, outro estabelecimento antigo do Padre Eustáquio. As expectativas do empreendedor parecem acompanhar o Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec) medido pela CNC. Em outubro, o indicador caiu 3,1% na comparação com setembro, para 119,3 pontos, na segunda queda consecutiva.
O empresário explica os motivos. Em primeiro lugar, porque o segmento de enxovais foi um dos poucos que lucraram no período mais rígido da pandemia, quando as atividades econômicas e sociais da cidade estavam mais restritas.
“Confesso que outubro de 2020 foi muito melhor para mim do que este outubro. As pessoas ainda estavam em casa, sem muita opção de lazer. Portanto, investiram no ambiente. Vendi muita cortina e toalha, por exemplo. Agora, com o retorno do turismo, dos bares e dos eventos sociais, as vendas despencaram. O dinheiro, é claro, tem outros destinos”, diz Ribeiro.
O administrador também aposta em um Natal fraco, já que, segundo ele, as pessoas já renovaram suas roupas de cama, mesa e banho durante a pandemia. “É claro que é sempre uma data boa, mas não prevejo retomada dos ganhos ao patamar de 2019, como esperam lojas de outros setores”, pondera o comerciante.
A despeito da aceleração das vendas na primeira onda da epidemia, a batalha da Monte Azul para não fechar as portas foi dura. “Mesmo vendendo no delivery, fiquei no prejuízo por um bom tempo. A sorte é que eu tinha uma reserva financeira, que me permitiu ficar de pé, inclusive sem demitir ninguém. Não fosse essa ‘gordurinha’, eu não teria resistido”, conta Ronaldo.
Para turbinar o faturamento, o proprietário chegou a contratar uma empresa de marketing digital, mas a estratégia, até o momento, surtiu pouco efeito. “Os meus clientes são mais velhos, mais tradicionais. Gostam de vir à loja, tocar nas colchas, edredons e toalhas. Minha comunicação com eles foi mais via WhatsApp. De qualquer forma, com a pandemia mudamos um pouco os planos. Até 2020, falávamos em abrir uma segunda loja em Belo Horizonte. Atualmente, com os altos custos operacionais, vimos que não compensa. É melhor abrir um e-commerce.”
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