O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, afirmou em carta aberta divulgada nesta terça-feira (10) que o estouro da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo se deve a cinco principais fatores, como inflação herdada do ano anterior, fenômenos globais e retomada na demanda de serviços e no emprego após a reabertura da economia.
Quanto à influência de pressões vindas do cenário internacional, agravadas pela eclosão da Guerra da Ucrânia, o BC citou a elevação dos preços de commodities, em especial do petróleo, desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, gargalos nas cadeias produtivas globais e choques em preços de alimentação, resultantes de questões climáticas.
"A elevação significativa da inflação em 2021 e 2022 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países emergentes", disse.
Além da inércia da inflação do ano anterior, o BC também destacou a deterioração das expectativas de agentes do mercado financeiro, afetadas pelas pressões inflacionárias e pela perspectiva da manutenção ou propagação dos seus fatores.
De acordo com a autoridade monetária, suas projeções são de que a inflação acumulada em quatro trimestres prossiga a trajetória de queda ao longo de 2023, terminando o ano em patamar inferior ao de 2022. "O cenário é de convergência da inflação para as suas metas", afirmou.
O BC mencionou que, no relatório de dezembro de 2022, as projeções apontam para inflação de 5% em 2023 (queda de 0,8 ponto percentual em relação ao índice observado em 2022), 3% em 2024 e 2,8% em 2025, ante metas para a inflação de 3,25%, 3% e 3%, respectivamente.
"Nesse cenário, em 2023, a inflação ainda se mantém superior à meta, em virtude principalmente da hipótese do retorno da tributação federal sobre combustíveis nesse ano e dos efeitos inerciais da inflação de 2022", disse.
"Esses efeitos são contrabalançados pela política monetária, embora não de forma integral, em virtude das diferenças temporais entre os impactos dos choques, de prazo mais curto, e os efeitos da política monetária, mais concentrados no médio prazo", acrescentou.
O texto endereçado ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foi divulgado depois que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) comunicou que a inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), fechou 2022 com alta acumulada de 5,79%.
O IPCA perdeu força em relação a 2021, quando havia subido 10,06%, mas ficou acima da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para o ano passado, de 3,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para mais (5%) ou para menos (2%).
Ao longo de 2022, o IPCA chegou a bater em 12,13% no acumulado de 12 meses até abril. A perda de fôlego, com três meses consecutivos de deflação (queda nos preços), de julho a setembro, foi puxada pelos cortes de impostos sobre combustíveis, energia elétrica e outros itens.
A redução na carga tributária se deu em meio aos planos de reeleição de Jair Bolsonaro (PL), que acabaram frustrados pela derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas.
As medidas adotadas pelo ex-presidente às vésperas da eleição geraram preocupação entre agentes econômicos quanto ao agravamento do risco fiscal do país.
Embora o BC tenha feito uma série de alertas ao longo do ano passado sobre como esse risco poderia afetar o cumprimento da meta de inflação em 2022, Campos Neto foi pouco incisivo sobre o tema na carta.
Em uma das referências mais explícitas, ele disse que a taxa de câmbio se depreciou no fim do ano em relação aos pares, "refletindo, em parte, incertezas envolvendo as políticas fiscal e parafiscal e seus respectivos arranjos institucionais".
De acordo com o BC, vários fatores colaboraram para reduzir o desvio da inflação em relação à meta. Além da questão tributária, Campos Neto citou o comportamento da bandeira de energia elétrica, que passou de escassez hídrica para bandeira verde, a apreciação cambial e o hiato do produto no campo negativo.
O hiato do produto mede a diferença entre o crescimento potencial da economia e o efetivo, e a situação do mercado de trabalho é um dos termômetros para estimar essa diferença.
"Ressalta-se o papel do aperto da política monetária para a contenção da inflação. A política monetária, que, em 2021 já havia passado do estímulo extraordinariamente elevado para o território contracionista, avançou substancialmente no terreno contracionista em 2022", disse.
No documento, Campos Neto reiterou que, para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos, o BC tem definido a meta para a taxa básica (Selic) e "continuará a fazê-lo".
Em dezembro, no último encontro do ano, o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve o patamar dos juros inalterado pela terceira reunião consecutiva e encerrou 2022 com a Selic em 13,75% ao ano.
A carta escrita por Campos Neto é a sétima desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999, e a segunda de autoria do atual presidente do BC. No texto divulgado em janeiro do ano passado, endereçado ao ex-ministro Paulo Guedes, o chefe da autarquia atribuiu o estouro da meta de inflação de 2021 ao fenômeno global.
Já o antecessor de Campos Neto, Ilan Goldfajn, teve de se justificar por ter deixado a inflação ficar ligeiramente inferior ao limite mínimo estabelecido para o objetivo de 2017.
Nos outros casos, referentes aos anos de 2015, 2003, 2002 e 2001, foi excedido o limite superior da meta de inflação. Entre as diversas causas, estavam a desvalorização do real, a crise de confiança de investidores, a crise global e o realinhamento de preços.
Antes de Campos Neto, Henrique Meirelles havia sido o único presidente do BC a ter escrito duas cartas ao longo de seu longevo mandato, que durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010.
Inflação herdada e alta das commodities contribuíram para estouro da meta, diz BC - UOL
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