BRASÍLIA – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, acionou uma cartilha de alertas para o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente indicado para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
O principal alerta foi para o risco da volta de uma “massa grande” de crédito subsidiado na política de juros e de combate à inflação.
Os recados acontecem após a primeira reunião de Haddad com Campos Neto, em que conversaram sobre a importância de coordenação da condução da política fiscal pelo Ministério da Fazenda com a política de juros do BC.
A preocupação com a reedição da política de estímulo ao crédito com taxas subsidiadas, como foi feito durante o governo Dilma Rousseff, entrou no radar no mercado financeiro depois da indicação de Mercadante para comandar o BNDES.
O BNDES foi o epicentro desse política, com empréstimos bilionários concedidos pelo Tesouro Nacional, que começaram ainda no governo Lula, e que estão sendo devolvidos ao caixa da União desde o governo Temer. A devolução completa ainda não foi concluída.
Apesar da negativa de Mercadante de que esse caminho será adotado, em conversa com o presidente da Federação Nacional dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney, revelada pelo Estadão, a desconfiança continua e segue impactando, nos últimos três, os ativos financeiros.
Essa deterioração se somou ao risco de mudanças na Lei das Estatais, patrocinada pelas lideranças do Centrão. Haddad também defendeu foco do futuro governo na politica de crédito para o crescimento do País, mas ponderou que será feita com “responsabilidade fiscal”.
Sem citar diretamente o BNDES ou o governo eleito, os alertas de Campos Neto foram feitos durante a apresentação do último Relatório Trimestral de Inflação do ano.
A preocupação com o crédito subsidiado foi também incluída no documento, que traz um panorama completo do cenário econômico e do balanço de riscos para a inflação. Em um dos trechos, o BC fala que as projeções para inflação dependem de considerações sobre a evolução das políticas fiscal e “parafiscal”.
Solicitado a detalhar o que seria a política “parafiscal” citada no documento, Campos Neto explicou que se tratava da quantidade de crédito subsidiado pelo governo.
A citação do risco de medidas de política “parafiscal” não constava no relatório de setembro e foi introduzida agora depois das eleições.
Para Campos Neto, esse tipo de crédito diminui a força da política de juros do BC para combater a inflação. “A diminuição do crédito subsidiado teve uma importância e relevância grande na diminuição da taxa neutra (de juros) e entendemos que tem um efeito também na potência da política monetária”, disse.
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O presidente do BC ponderou que, se houver um aumento muito grande do crédito subsidiado, poderá ocorrer uma reversão desses dois ganhos obtidos nos últimos anos.
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Ele também defendeu a permanência da Taxa de Longo Prazo (TLP), que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), marcando uma política de juros dos empréstimos concedidos pelo BNDES para coibir exageros na concessão de subsídios.
Segundo Campos Neto, a mudança foi um ganho institucional. “Houve uma expansão do mercado de capitais (com a TLP), uma redução da taxa neutra (aquela que nem estimula e nem desestimula a economia). Foi uma mudança muito boa que gerou ganhos de eficiência na economia”, avaliou.
A possibilidade de mudança na fórmula da TLP ou de volta da TJLP entrou no radar depois que integrantes do grupo de transição deram declarações nessa direção.
Ao presidente da Febraban, Mercadante garantiu que não há mais espaço para a política de subsídios no BNDES, mas ponderou na conversa que “talvez caiba uma discussão sobre alguma flexibilidade nos financiamentos de longo prazo”.
A TLP é usada pelo BNDES para remunerar os recursos que o Fundo de Amparo ao Trabalhado (FAT) e do Tesouro emprestaram ao banco para financiar os seus clientes. Para calcular a taxa, é usada como referência o custo da NTN-B de 5 anos, título do Tesouro remunerado pelo IPCA mais juros reais.
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Teto de R$ 130 bilhões
O BC também renovou os alertas para o risco de a piora nas contas públicas e aumento de gastos impactarem as expectativas da inflação acabarem levando o BC a subir novamente os juros. Hoje, a taxa básica de juros, a Selic, está estacionada em 13,75% ao ano. E sinalizou que pode voltar aumentar os juros caso o processo de desinflação não aconteça como esperado.
Chamou atenção a informação dada pelo presidente do BC de que, nas suas projeções de inflação para tomar a decisão sobre juros, levou em consideração um teto de R$ 130 bilhões de alta de gastos em 2023.
O valor é menor do que os R$ 168 bilhões da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que foi aprovada no Senado, mas ainda precisa passar pelo crivo da Câmara. Ele evitou falar do impacto no combate à inflação da PEC com uma expansão maior do que os R$ 130 bilhões, mas fez questão de alertar que é preciso pensar nos impactos da proposta sobre a dívida.
Na prática, a revelação por Campos Neto do valor que o BC trabalhou em suas projeções impõe uma espécie de saia justa para o futuro governo. Ele evitou, porém, falar qual seria o aumento gastos que manteria as despesas do governo em relação ao PIB em 2023 no mesmo patamar deste ano. Citou dados do mercado que apontam para um patamar entre R$ 130 bilhões e R$ 140 bilhões. Nos cálculos do governo eleito, esse nível é em torno de R$ 150 bilhões, como já citou o próprio Haddad.
O presidente do Banco Central disse também que a incerteza fiscal no Brasil acabou fazendo com que o mercado retirasse as expectativas de corte de juros e passasse também a prever altas de juros no cenário futuro.
A cartilha de alertas do presidente do Banco Central para Haddad na Fazenda e Mercadante no BNDES - Estadão
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