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Monday, March 21, 2022

Inflação da guerra vai deixar carro, geladeira e imóvel ainda mais caros - UOL Economia

O impacto econômico provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia vai deixar eletrodomésticos, automóveis e imóveis ainda mais caros aqui no Brasil. O receio de que o conflito afete o fornecimento de matérias-primas já encareceu insumos usados pelas siderúrgicas para produzir aço, um produto que compõe grande parte dos custos de fabricação dos bens duráveis, dizem empresários.

O repasse de preços nessa cadeia já começou. Semana passada, uma das principais siderúrgicas do país, a CSN, anunciou um aumento de preços de 20% para os produtos que vende para a indústria, em um reajuste que será feito em duas parcelas: 12,5% no dia 1° de abril e 7,5% no dia 15.

A companhia, que fornece produtos para os setores automotivo, de linha branca (geladeiras, fogões), construção e embalagens, disse que está retirando descontos que vinha praticando por causa do encarecimento de matérias-primas, como minério de ferro e carvão metalúrgico.

Já os fabricantes de bens de consumo que usam o aço comprado das siderúrgicas criticam o reajuste de preços e alertam que essa conta mais alta vai sobrar para o bolso do consumidor.

Com certeza os aumentos dos custos de produção vão chegar ao consumidor, muito por conta do insumo nacional. O aço já subiu quase 200% desde março de 2020. E se vai aumentar mais 20% ou 25%, vai ser uma tromba d'água em um copo que já está transbordando.
José Jorge do Nascimento é presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros)

  • Veja essa notícia, análise de Josias de Souza e mais no UOL News com Fabíola Cidral:

Matérias-primas mais caras por causa da guerra

O conflito no leste europeu reacendeu o movimento de alta dos preços de diversas matérias-primas, de grãos, como trigo e milho, a metais e petróleo. O receio das empresas e países é que a guerra e as sanções impostas à Rússia reduzam ou interrompam a oferta desses produtos.

Na indústria do aço, os aumentos de preços mais sensíveis ao setor impactam metais e petróleo, disse o diretor-executivo comercial da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), Luiz Fernando Martinez, em entrevista dada ao Valor Econômico. Segundo ele, desde o dia 3 de janeiro, o minério de ferro subiu 13% e o carvão 83%, elevando em 37,5% os custos em reais da produção da placa apenas neste começo de ano.

E antes disso, dados da FGV mostram que, desde o início da pandemia, a cotação do carvão mineral para exportação aumentou 245% no mercado internacional, o níquel subiu 124% e o ferro gusa se valorizou em 120%.

Inflação na indústria vem se acumulando

Os custos da indústria já vinham subindo ao longo da pandemia. As interrupções de atividades em diversos países afetaram a produção e o transporte das matérias-primas.

Os indicadores de preços no Brasil mostram que insumos usados pelos fabricantes de eletrodomésticos, de automóveis e da construção civil estão subindo mais que a média da inflação, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

O IPP (Índice de Preços ao Produtor) do IBGE, por exemplo, mede a variação dos preços de produtos na porta da fábrica, isto é, sem impostos e frete, de 24 atividades das indústrias extrativas e da transformação.

Veja as variações acumuladas em 12 meses até fevereiro

  • IPCA: 10,5%
  • IPP: 25,5%
  • Indústria geral: 25,5%
  • Bens de capital: 19,7%
  • Bens intermediários: 30,9%
  • Bens de consumo: 18,2%
  • Bens de consumo duráveis: 14,8%
  • Bens de consumo semiduráveis e não duráveis: 18,9%
  • Segmento da Metalurgia: 31,6%
  • Derivados de petróleo: 64,8%
  • Produtos de metal: 33,1%

O aumento de preços em relação a dezembro acompanha a recuperação recente do preço internacional do petróleo e do minério de ferro, e o acumulado em 12 meses guarda relação com as altas mais expressivas nos preços dessas commodities no primeiro semestre de 2021.
Felipe Câmara, analista da pesquisa do IPP do IBGE

Consumidor já está pagando mais caro

A indústria já vem repassando parte desses aumentos para o consumidor, destacam economistas que acompanham inflação, citando as variações de preços de diversos bens de consumo em percentuais acima do IPCA.

Variações acumuladas em 12 meses até fevereiro de 2022 (IPCA do IBGE)

  • IPCA: 10,54%
  • Aparelhos eletroeletrônicos: 15,5%
  • Eletrodomésticos: 17,9%
  • Refrigerador: 24,7%
  • Máquina de lavar: 16,3%
  • Fogão: 15,6%
  • Televisor: 19,6%
  • Carro usado: 17%
  • Carro novo: 18,5%
  • Moto: 15,6%

Preços vão subir ainda mais

Segundo empresários da indústria de bens de consumo e da construção, o novo choque de aumentos de preços provocado pela invasão russa ao solo ucraniano vai levar a novos reajustes na cadeia de bens duráveis que vão chegar ao consumidor nos próximos meses.

Construção civil: O Índice Nacional de Custo da Construção - M (INCC-M) acumula alta de 13,04% em 12 meses, puxado por materiais, que avançaram 19,6%, enquanto a mão de obra teve reajustes de apenas 6,6%.

O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, diz que o setor está espremido entre dois problemas.

De um lado, as empresas já absorveram aumentos que não foram repassados, o que reduz as margens de lucro e, por tabela, novos investimentos. E de outro lado, o consumidor está com menor poder de compra por causa da inflação e dos juros elevados.

Os custos de construção subiram mais que outras despesas da população. Falta capacidade de compra das famílias.
José Carlos Martins, presidente da Cbic

O executivo disse que o setor sugere duas medidas para atravessar esse período de incerteza:

  • Permitir a volta de reajustes de contratos com prazos inferiores a 12 meses.
  • Reajustar o valor dos imóveis que podem ser enquadrados nos programas de financiamento subsidiado do governo.

Eletrodomésticos: A Associação Nacional dos Fabricantes de Eletroeletrônicos (Eletros) afirma que o setor já vem sendo impactado por aumentos de custos, destacando que o aço atualmente está cerca de 200% mais caro que antes da pandemia. José Jorge do Nascimento, presidente da entidade que representa a linha branca e outros eletrodomésticos, disse o setor siderúrgico deveria absorver parte dos aumentos de custos porque é isso o que os fabricantes de eletrodomésticos estão fazendo.

O executivo disse que o setor defende a abertura do mercado nacional a mais importação de produtos siderúrgicos, com redução de impostos ou flexibilização nas cotas que o país pode comprar de fora.

Veículos: A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também afirma que o aumento de custos na cadeia de produção é o assunto que mais preocupa esses setores.

Os custos do nosso setor vêm crescendo ininterruptamente desde o início da pandemia, seja para insumos como aço, plástico e borracha, seja para componentes, sobretudo os que usam semicondutores, seja por impactos cambiais, logísticos e inflacionários em geral.
Anfavea, em nota enviada ao UOL

Segundo a Anfavea, os preços dos carros não vão baixar. Por isso, a redução do IPI em 8,5% é um bom exemplo de medida que pode reduzir o custo Brasil, ao mesmo tempo em que o aumento do ICMS paulista, de 12% para 14,5%, agrava a situação.

Nas estradas e rodovias: Outro setor que usa bastante aço e petróleo é o da infraestrutura, que inclui as concessionárias de rodovias. Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), os aumentos de custos que já vinham afetando o setor, tiveram uma aceleração neste começo de ano.

Esses aumentos afetam a capacidade de investimento do setor em novos projetos. Além disso, podem bater no bolso do consumidor, com reajustes de pedágios, por exemplo, diz o diretor de planejamento e economia da Abdib, Roberto Guimarães.

Alguns itens dos custos, como asfalto, acumulam aumentos de 50% a 70% nos últimos 12 meses. E situações extraordinárias pedem soluções extraordinárias.
Roberto Guimarães, diretor de planejamento e economia da Abdib

Desculpa para reajustar preços

O setor siderúrgico diz que a indústria de bens de consumo está usando o aço como vilão para justificar aumentos de preços ao consumidor.

Segundo o setor, os produtos que vendem aos fabricantes de automóveis, eletrodomésticos e para a construção civil estavam com preços que vinham de um período baixa, ao longo de 2021 e destacam que a participação do aço no preço final dos bens de consumo e na inflação é baixa.

As siderúrgicas afirmam que os contratos fechados com a indústria de bens de consumo são anuais e, por isso, muitas fabricantes e automóveis e eletrodomésticos, por exemplo, atravessaram 2021 sem nenhum aumento de preços.

Além disso, como havia estoques e capacidade ociosa que chegou a quase 50% nas siderúrgicas durante a pandemia, as fabricantes de aço estavam dando descontos aos clientes industriais. No caso do reajuste da CSN, por exemplo, o que está acontecendo é a retirada dos descontos.

Dados do Instituto Aço Brasil apontam que a capacidade ociosa nas siderúrgicas começou o ano ainda na casa de 30%, e que portanto é possível aumentar a produção para atender mais encomendas da indústria.

Quem vai definir se haverá reajustes de preços para o consumidor é o mercado. Nós temos ociosidade na siderurgia, que é da ordem de 30%. Então, em relação a risco de desabastecimento, o risco é zero.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil

Segundo dados do Instituto Aço Brasil, o aço representa muito peso mas pouco do valor dos bens de consumo fabricados. Veja exemplos:

  • Carros: 56% do peso e 7% do valor
  • Geladeira: 55% do peso e 8% do valor
  • Construção: 4,2% do custo da obra

O presidente da entidade que reúne as siderúrgicas, entretanto, admite que a guerra no leste europeu ainda pode continuar pressionando para cima os custos da produção de aço no Brasil.

Ele destaca que algumas matérias-primas usadas na produção de aço vêm de fora. Caso do carvão metalúrgico usado no Brasil, por exemplo, que é totalmente importado, sendo a maior parte desse insumo fornecida pela Rússia.

Além disso, diz Polo de Mello, a guerra afeta a produção da Rússia e da Ucrânia, respectivamente quinto e 11º maiores produtores siderúrgicos no mundo; o Brasil é o nono nessa lista.

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