RIO — Na pandemia, o faturamento do comércio eletrônico no Nordeste dobrou, um movimento que não passou despercebido pelas grandes varejistas. Para aumentar sua presença, com maior capilaridade, custo e prazo menor de entregas, as redes estão investindo na construção e na expansão de centros de distribuição na região.
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O ponto central dessa estratégia é Recife, em Pernambuco, em razão de sua localização entre um dos principais portos do país, o de Suape, e uma malha rodoviária extensa, que se conecta às BR-101 e BR-232. Outro fator de atração é o incentivo específico do governo estadual para estimular a instalação de centros de distribuição atacadistas e do e-commerce.
Segundo dados da consultoria de consumo digital NeoTrust, entre o primeiro trimestre de 2019 e o primeiro deste ano, o faturamento do e-commerce saltou de R$ 2,2 bilhões para R$ 5,6 bilhões. Na comparação entre os segundos trimestres de 2019 e 2021, o total triplicou.
Paulina Gonçalves Dias, head de Inteligência da Neotrust, cita a potência de consumo da região, a base de comparação baixa, o movimento de expansão natural após o Sudeste e o poder de compra impulsionado pelo auxílio emergencial como fatores que influenciaram o resultado.
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Tatiane Menezes, professora do departamento de graduação e pós de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, destaca o impacto do auxílio emergencial na renda, além do crescimento natural da digitalização:
— Se não tivesse recessão e pandemia, será que teria essa mesma expansão? São vários fenômenos simultâneos. O auxílio com certeza teve impacto na renda das famílias daqui. Muitas passaram a sobreviver só com o auxílio, outras por conta da pandemia migraram para o e-commerce. Agora, o quanto isso vai se sustentar com fim da pandemia não se sabe — diz a economista.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes avalia que o Auxílio Brasil traria um novo gás para o varejo em geral. Mas ele alerta que, apesar do impulso inicial na economia, pode ter efeito rebote lá na frente:
— É um programa importante, mas esse tipo de recurso tem que ser feito de maneira criteriosa. O efeito do ganho depois é corroído pela inflação, tanto das famílias quanto dos empresários.
Entre porto e estradas
As varejistas, contudo, investem de olho no longo prazo. As expectativas apontam que a escalada nordestina não é pontual. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm), o Nordeste deve fechar o ano com crescimento de 28% no e-commerce, acima da média nacional, de 19,3%.
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— O Nordeste teve um crescimento importante na pandemia, e, no e-commerce, baratear o frete é fundamental. Só que no Brasil, 65% das entregas são feitas por terra. Esta situação se agrava no Nordeste, onde está localizada 27% da malha rodoviária do país, da qual apenas 4% tem pavimentação. Por isso, Recife se torna estratégica — explica Marcus Quintella, economista e diretor da FGV Transportes.
Recife está baseada em meio a um polo industrial consolidado na região metropolitana, que abrange Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão dos Guararapes, onde há mão de obra qualificada.
Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico de Recife, Rafael Dubeux, o mercado de trabalho está aquecido com estes investimentos e, mesmo com perdas de vagas durante a crise, a cidade já está com um patamar de empregos acima do nível pré-pandemia.
Segundo ele, o objetivo é que Pernambuco se torne um centro de logística no país pois tem vocação, pela estrutura logística e por estar entre as maiores capitais da região.
— A cidade e o estado têm feito esforços para um ambiente de negócios, com agilidade para fornecer alvarás, licenças e construções — explica Dubeux.
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O governo do estado tem um programa especial que reúne vários incentivos fiscais para indústrias, importadores atacadistas e centrais de distribuição, além de suporte como a oferta de terrenos próprios através de venda subsidiada e apoio de infraestrutura.
No caso das varejistas de e-commerce, ainda existe regulamentação específica de benefícios de ICMS.
Novos centros logísticos
A start-up de móveis Madeira Madeira, por exemplo, inaugurou em setembro um estoque de armazenagem em Cabo de Santo Agostinho. O CEO Daniel Scandian diz que a expectativa é dobrar as vendas e aumentar o market share na região, além de reduzir pela metade o custo com frete no Nordeste. A ideia, conta, é armazenar produtos inicialmente vindos do Sudeste e depois de fornecedores locais.
— É o início de uma operação por lá. Recife tem um polo logístico muito forte, de onde se consegue fazer a distribuição com prazo melhor, sem problemas operacionais — avalia.
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Já a multinacional de tecnologia Amazon abriu três centros de distribuição nesse ano, sendo dois no Sudeste e um segundo em Cabo de Santo Agostinho, onde já tinha unidade. E tem planos para lançar um no Ceará.
A companhia fez estudos para mapear quais cidades ao redor serão alcançadas e considera “de extrema importância desenvolver estruturas no Nordeste, uma região bem estratégica e comercialmente relevante”.
O Magazine Luiza, por sua vez, vai abrir no ano que vem duas grandes operações no Nordeste, onde concentra 30% do seu faturamento. Uma será em Recife e a outra, em Alagoas. Neste ano, a companhia de Luiza Trajano também expandiu seus centros de distribuição em Belém (PA), Fortaleza (CE), Teresina (PI) e Candeias (BA).
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Segundo Marcio Chammas, diretor executivo de Logística e Supply Chain, as aberturas fazem parte de um investimento de R$ 4 bilhões da empresa para os próximos dois anos voltado para logística e tecnologia. O capital será direcionado para adaptar lojas, impulsionando vendas on-line:
— Quando falamos de entregas é super estratégico estar nestas regiões por causa da logística. E usamos muito um espaço dentro das lojas como minidepósitos para atender nossa multicanalidade.
Utilizar estes espaços como suporte é também a estratégia da Americanas S.A. Um estudo interno mostrou que 80% dos clientes que compram no varejo on-line estão a uma média de cinco quilômetros de distância de uma unidade física. Diante disso, a companhia vai ter, até o fim do ano, 200 das suas 2.300 lojas neste novo modelo, que integra físico e digital no intuito de entregas ultrarrápidas, em minutos.
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A empresa já tem duas operações grandes em Pernambuco, e até o fim do ano, há planos de mais um centro na Bahia e outro no Pará.
— O Nordeste é uma das regiões com maior potencial de vendas do e-commerce brasileiro e a segunda região mais populosa do país, o que direcionou a ampliação dos investimentos logísticos na região — afirma o diretor da LET’S, plataforma de logística da Americanas S.A., Welington Souza.
Outra cidade-chave na logística nordestina, pelos mesmos motivos de Recife (porto e malha rodoviária), é Fortaleza. No Norte, as empresas miram o Pará como ponto estratégico, a exemplo da Via.
A detentora das marcas Casas Bahia e Ponto segue a estratégia dos mini-hubs e usa as suas 500 lojas físicas como apoio logístico. Tem 11 centros de distribuição no Nordeste, sendo que um dos principais, em Maracanaú, no Ceará, dobrou de tamanho.
— Neste ano abrimos um centro de distribuição em Camaçari, na Bahia, e ano que vem abriremos em Manaus — diz Fernando Gasparini, diretor executivo de Logística da Via.
Vendas on-line dobram no Nordeste, e região atrai investimento de varejistas - Jornal O Globo
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