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Senado analisa medida provisória que privatiza Eletrobras
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Câmara aprovou o projeto a toque de caixa e inclui "jabutis" no texto
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Com isso, conta de luz deve ficar cerca de 20% mais cara
Enquanto a população está de olho na CPI da Covid no Senado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem aproveitado para pautar diversos projetos polêmicos, como a MP da Eletrobras, aprovada pelos deputados no mês passado. O projeto agora é analisado pelo Senado, que tem até o dia 22 de junho para votar o texto.
A aprovação da medida provisória (MP) que privatiza a Eletrobras pela Câmara dos Deputados tem vários pontos controversos e foi aprovada a toque de caixa, com a inclusão de “jabutis” no texto e sem a devida discussão, como apontam especialistas.
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Caso aprovado pelo Senado, a desestatização vai aumentar a conta de luz para os consumidores, em torno de 20%.
O relator da medida provisória no Senado é o senador Marcos Rogério (DEM-RO), um dos principais defensores do governo Bolsonaro na Casa.
A Eletrobras é responsável por um terço de toda a geração e metade da transmissão de energia do país e é composta por dez subsidiárias, incluindo Furnas, que opera 12 hidrelétricas, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e Eletronorte. Juntas, essas subsidiárias controlam 123 usinas de geração de energia, sendo 48 hidrelétricas, e 64 mil quilômetros de linhas de transmissão.
Entenda as críticas ao projeto:
Conta de luz mais cara
A medida aprovada também prevê o fim do “regime de cotas”, instituído em 2012, no governo da ex-presidente Dilma Roussef, pela Medida Provisória 579. Com esse sistema, 14 usinas hidrelétricas da Eletrobras vendem às distribuidoras energia abaixo do preço de mercado, através de cotas.
De acordo com estudo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), enviado ao Ministério de Minas e Energia, a “descotização” pode aumentar o preço das tarifas em até 16,7% para os consumidores residenciais.
Trechos incluídos na medida provisória pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), relator da proposta escolhido por Lira, também preveem que o governo deverá fazer um leilão para contratar 6 mil megawatts de energia gerada por usinas termelétricas movidas a gás nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até o fim do ano.
As termelétricas vão exigir a construção da rede de gasodutos, e o consumidor terá que arcar com esse custo. O governo alega que a contratação das termelétricas “permitirá uma melhor divisão dos custos de operação dessas usinas entre os consumidores”.
Com isso, a privatização da Eletrobras vai custar R$ 20 bilhões a mais por ano aos consumidores brasileiros, estima a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). Isso deve acontecer porque não houve estudo técnico ou qualquer suporte para contratação de termelétricas, com locais e quantidades predefinidos.
“Quem faz o planejamento do setor elétrico é a Empresa de Planejamento Energético (EPE). Mas isso foi jogado para escanteio. Os políticos decidiram sobre um assunto que é técnico. A direção é ruim, porque mostrou que o lobby no Congresso funcionou”, disse Luiz Augusto Barroso, da consultoria PSR.
Em audiência no Senado, o senador Paulo Paim (PT-RS), destacou que o custo maior da energia terá efeito cascata, ou seja, os valores dos produtos finais também aumentarão de preço, desequilibrando o orçamento das famílias.
Na avaliação de Victor Costa, presidente da Associação de Empregados de Furnas (Asef), é uma “irracionalidade” aprovar a privatização neste momento de crise econômica “sem precedente” que vai aumentar em 20% a conta de luz dos consumidores.
Além disso, a privatização coloca em risco diretamente o emprego de 12.088 funcionários, além dos fundos de pensão.
Vitória do lobby
Segundo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), a iniciativa teve o apoio do empresário Carlos Suarez, dono de concessões de gás em estados que não têm gás nem estão ligados à rede.
Em discurso no plenário, Braga acusou o relator, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), de cometer um “crime” e uma “fraude” ao modificar o parecer para supostamente beneficiar o empresário Carlos Suarez, ex-OAS, ao estabelecer a obrigação de que o governo federal contrate a construção de usinas térmicas a gás natural.
A inclusão da questão dos gasodutos e das térmicas também foi criticada pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Segundo ele, a iniciativa foi derrubada pela Câmara durante aprovação do Lei do Gás.
“Relatório da MP da Eletrobras é uma vergonha. Alguns pontos ruins foram retirados, mas está mantida a polêmica questão dos gasodutos e termelétricas. O que isso tem a ver com a privatização da Eletrobras? Aliás, tentaram este texto na Lei do Gás e a Câmara rejeitou. O que mudou?”, disse Maia, no Twitter.
O projeto é tão polêmico que até PSDB e Novo, grandes defensores de privatizações, votaram contra a proposta.
“O texto do relatório tem problemas que na nossa opinião não são positivos e vão na contramão do que o brasileiro precisa”, afirmou o líder da bancada do Novo, deputado Vinicius Poit (SP).
Crise de racionamento
Somado a isso, o Brasil enfrenta risco de racionamento e até de apagão diante da crise hídrica do país.
Victor Costa, presidente da Asef, lembra que, desde 2016, ainda no governo de Michel Temer, a Eletrobras parou de investir na geração e transmissão de energia elétrica, principalmente na geração, o que pode resultar em um novo racionamento de energia.
Ele explica que a Eletrobras foi o grande investidor de novos projetos no setor, como as usinas de Belo Monte, Santo Antônio, Teles Pires e Jirau.
“Em 1996, a Eletrobras entrou em processo de desestatização e os investimentos foram paralisados. A consequência foi o apagão em 2000. O que vemos agora é a história que se repete”, aponta.
Necessidade de investimentos
A equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro tem usado o alerta de emergência hídrica em alguns estados e a necessidade de investimentos no setor para defender as mudanças nas regras do setor.
No entanto, o senador Paulo Paim destaca que não é necessário privatizar a Eletrobras para garantir a expansão do setor elétrico. Segundo ele, estudos apontam que o setor elétrico tem atraído investimento suficiente para garantir a sua expansão.
“Esses investimentos já estão ocorrendo. Entre 2003 e 2018, a capacidade instalada no Brasil cresceu 70%. A Eletrobras tem capacidade para gerar 30,1% de energia e possui 44% das linhas de transmissão. Com a privatização dessa estatal, o poder de mercado nas mãos de uma empresa privada não vai gerar competição justa, e caminharemos para uma injustiça social. Vai prejudicar principalmente os consumidores”, alerta.
O professor da UFRJ e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) Maurício Tolmasquim também defende que a privatização da Eletrobras não é necessária para atrair capitais privados e garantir a expansão do setor elétrico.
“Entre 2005 e 2018, a capacidade instalada cresceu 70%, enquanto a economia cresceu a um ritmo muito menor do que esse. E o mais interessante é que quase 80% desses investimentos foram de capital privado. Então, o capital privado está investindo no setor elétrico justamente por conta dos leilões que foram organizados”, explica.
A situação energética do Brasil, que já é motivo de preocupação do governo e de especialistas, pode piorar ainda mais com o desmonte do sistema elétrico.
Victor Costa, presidente da Associação de Empregados de Furnas (Asef), aponta que o texto aprovado não garante a renovação das concessões das usinas, hoje de responsabilidade das subsidiárias, no caso Chesf, Furnas e Eletronorte. “Ou seja, corre o risco de desmonte no setor”, diz.
“Governo está vendendo uma mina de ouro”
A Câmara aprovou o projeto a toque de caixa, e a tramitação segue pelo mesmo caminho no Senado.
Victor Costa, presidente da Associação de Empregados de Furnas (Asef), afirma que, durante a discussão da proposta na Câmara, ficou claro que muitos deputados desconheciam o texto. Ele destaca que a matéria deveria ser tratada por meio de um projeto de lei, e não uma medida provisória.
“É legítimo o governo discutir privatização, mas deveria tratar por projeto de lei, e não em um rito sumário, sem discussão pública, sem audiências para debater o assunto. Isso é de uma irresponsabilidade muito grande”, diz.
“Qual é a urgência de vender uma empresa que entregou cerca de R$ 25 bilhões em dividendos nos últimos 20 anos à União?”, questiona.
O senador Humberto Costa (PT-PE) também criticou a falta de discussão da proposta.
“Esse processo tem avançado de forma extremamente rápida, pulando etapas do processo legislativo normal e, ao mesmo tempo, sem a devida discussão dos impactos que acarretará sobre a atividade econômica, sobre especialmente a vida das pessoas, afirmou.
O Congresso discute a privatização antes mesmo da aprovação do marco regulatório, ou seja, antes de definidas novas regras para o setor, destacadas em projeto de lei ainda em apreciação pela Câmara, alerta a diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Instituto Ilumina), Clarice Ferraz.
Ela ainda pontuou que a discussão ocorre sem que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) tenha apresentado uma análise de impacto regulatório e uma disposição de como será a alocação de riscos do setor hidrelétrico brasileiro.
“Então, é um cenário de enorme incerteza, e nada pior do que a incerteza para atrair investimento”, observou Clarice.
Para a diretora, o governo está “vendendo uma mina de ouro”.
Isso porque, além dos lucros da estatal, a nova companhia vai receber uma indenização que a União deve à Eletrobras, no valor de R$ 47 bilhões, de investimentos da estatal.
“Jabutis”
Representantes de vários setores da indústria, por meio de 40 associações, divulgaram manifesto em que definem como “danosas à sociedade” as alterações apresentadas na MP 1.031/2021.
O manifesto aponta a inclusão de “jabutis” na MP que prejudicam não somente o consumidor residencial, mas também grandes consumidores, como o setor industrial. A preocupação seria com a reserva de mercado para térmicas e pequenas centrais hidrelétricas.
“A MP exige que 50% do mercado regulado, obrigatoriamente, terão que ser atendidos pelas centrais hidrelétricas, até atingir 2 mil megawatts, e depois 40% do mercado terão que ser atendidos por pequenas centrais. Ora, uma criação de uma reserva de mercado totalmente contra a própria lógica que se argumenta de competição. E o que é mais interessante: apesar de essas fontes terem o mérito de serem renováveis, as pequenas centrais custam mais que o dobro do que as fontes eólicas fotovoltaicas”, completou o professor da UFRJ Maurício Tolmasquim.
Ameaça à soberania
Pelo processo de privatização, o governo deverá emitir novas ações da empresa, com oferta a investidores privados, o que reduzirá sua participação no capital da Eletrobras.
“A venda do controle acionário da Eletrobrás é mais uma ameaça à soberania do nosso país. Uma medida que vai gerar insegurança sobre o abastecimento e aumento das tarifas de energia”, ressaltou senador Jean Paul Patres (PT-RN), líder da Minoria.
“A Eletrobrás é uma empresa sólida e sadia. É responsável por 30% da geração da energia no Brasil e por 44% das linhas de transmissão”, ressaltou o senador.
A estatal teve lucro de R$ 30 bilhões nos últimos três anos. Hoje o governo tem 51,82% das ações ordinárias. A estimativa é de que reduza esse percentual a 45%, mas com direito a “golden share”, ou seja, direito de vetar em decisões consideradas mais sensíveis.
A proposta permite a criação de um grande oligopólio privado no setor de energia.
No caso da venda da Eletrobras, por exemplo, um grupo controlador teria 30% de todo o potencial de geração elétrica do país e poderia influenciar nos preços da energia. Em paralelo, a estatal detém metade dos grandes reservatórios de água do Brasil.
“Essa é a única possibilidade de remanejamento energético. Como o governo vai abrir mão do controle da maior empresa de energia da América Latina, em um setor sensível para a economia do país?”, questiona o presidente da Asef, Victor Costa.
Ele afirma que o ‘golden share’, ou seja, mecanismo que garante à União poder de veto em assuntos estratégicos, como a venda de fatias da empresa, por exemplo, é “frágil” e um “engodo”.
“O golden share é um instrumento fracassado no Brasil, como pode ser visto na privatização da Vale, fadado a ser extirpado de acordo com os interesses do governo. Por ser fragilizado, não garante de fato a soberania energética do país”, avalia.
Ex-ministro de Minas e Energia e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner afirmou que a venda da Eletrobras “está botando em risco o futuro do país”. Ele manifestou preocupação por não ter sido contemplada na MP questões sobre os consumidores cativos, apesar de estar recheada de “outras benesses”.
“O projeto de lei na Câmara, agora submetido ao Senado, subverte toda a essência do modelo setorial, cria reservas de mercado para fontes, como o caso da térmica, o caso da PCH [pequenas centrais hidrelétricas], e impõe todo sobrecusto da produção dessa energia para aqueles que são responsáveis pela garantia do suprimento, que são os consumidores cativos. Somos nós que garantimos a expansão do sistema com os leilões de energia, onde só as distribuidoras contratam no contrato de longo prazo”.
“E quem ainda paga isso são os consumidores cativos. Então, será que alguém perguntou aos consumidores se eles querem essa energia mais cara em detrimento das fontes solares e eólicas tão mais baratas?”, questionou.
Para Clarice Campelo de Ferraz, do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), não são apenas os “jabutis” que tornam o texto da privatização da Eletrobrás lesivos ao interesse nacional.
“É o coração dessa proposta que nos preocupa, é a descotização das hidrelétricas e a perda de controle sobre os reservatórios”.
Fontes renováveis
A abertura de mais espaço para as térmicas, em detrimento das fontes renováveis (água, sol e vento) também é um preocupação do ponto de vista ambiental.
Shigueo Watanabe Júnior, diretor do Instituto ClimaInfo, alertou que a emenda aprovada na Câmara obrigando à construção de usinas térmicas a gás vai ampliar em 50% a emissão de carbono pelo sistema elétrico brasileiro, que hoje é de 40 milhões de toneladas anuais.
Ao longo de 30 ou 35 anos, vida útil desse tipo de usina, isso representaria 800 milhões de toneladas, mesmo resultado do desmatamento da Amazônia anualmente. "Essas usinas serão um obstáculo importante para a meta de atingirmos a neutralidade climática em 2050”, apontou Watanabe.
O dispositivo enxertado na MP, ressalta o especialista, causará imensas dificuldades para que o Brasil possa contribuir para desacelerar a mudança climática, “que já é a causas dessas secas que a gente está atravessando”. Não se trata, enfatizou ele, de “ter menos furacão no Caribe. Mas de garantir a plantação de soja e o funcionamento das hidrelétricas no Brasil”.
Conta de luz mais cara: Veja os impactos da privatização da Eletrobras - Yahoo Noticias Brasil
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